Educação Rural: Narrando Experiências e Impressões.
Raphael Guilarducci.
Historicamente a Educação Rural não tem se destacado entre os planos de
investimento do governo e nas discussões e grades curriculares dos cursos de
formação docente. Isso nos remete a um grande problema, tendo em vista que uma
parcela significativa da população brasileira estuda em escolas situadas em
zonas rurais.
Há em nosso país um esquecimento dessas pessoas, em uma sociedade
capitalista cada vez mais preocupada com a produção de bens de consumo, rodeada
por uma lógica exacerbada de trabalho, simplesmente os olhares não enxergam os
sujeitos do campo. Com a disciplina Fundamentos da Educação Física Escolar,
tivemos a oportunidade de discutir e experimentar a prática docente em uma
escola rural, de forma ligeira, mas que se constituiu como uma experiência
extremamente válida para o nosso processo de formação como professores.
Confesso que tive uma resistência quando a proposta de visitarmos uma
escola rural foi apresentada na disciplina. Alguns relatos sobre os
comportamentos dos estudantes das escolas rurais como crianças carentes, com
histórias de vida extremamente complicadas, num primeiro momento não me tocou.
Tenho contato com uma escola de periferia há aproximadamente dois anos, e
diante desses relatos imaginei que encontraria sujeitos semelhantes aos que
tenho convivido na Escola Estadual Dora Mattarazo.
Na periferia alguns jovens manifestam suas angústias e carências por meio
de uma rebeldia e resistência as normas impostas pela escola e família. Essa
transgressão a meu ver é algo natural, que demonstra que aquele sujeito faz
suas próprias análises e interpretações das relações sociais. Ao chegar à
escola rural imaginei que encontraria comportamentos parecidos com os jovens de
periferia que passam por dificuldades semelhantes as dos alunos da Zona Rural.
Para minha grata surpresa me deparei com alunos extremamente educados e
receptivos. Não só o comportamento dos alunos me chamou atenção, a direção e os
professores da escola nos receberam de uma forma que jamais tinha sido recebido
ao visitar uma instituição escolar. Nesse momento percebi o quanto havia
lançado um olhar preconceituoso para a escola rural, e para os sujeitos que
compõem aquela instituição, professores, funcionários, alunos. Esse olhar
preconceituoso diria que é algo comum a quem nunca teve a oportunidade de
conhecer o elemento a ser estudado, analisado. Dessa experiência guardarei a
importância de tentarmos nos livrar dos preconceitos, para que possamos de fato
atingir um grau de compreensão, mesmo que mínimo, e de acordo com as nossas
possibilidades. Tenho consciência de que visitar duas vezes um espaço escolar
não me permite uma grande apropriação e entendimento de tal ambiente, mas ao
mesmo tempo esses dois contatos mudaram completamente a visão que havia
preconcebido.
Durante a aplicação das aulas fiquei angustiado com alguns relatos do
professor de Educação Física da escola, ele nos contou algumas histórias de
vida de seus alunos. Algumas daquelas crianças sofrem abuso sexual, são
forçadas a trabalhar desde os seis, sete anos, outras vivem em condições
precárias. Essas condições de vida marcam as expressões dos alunos.
Identifiquei nos alunos olhares e expressões de alegria que se
manifestavam durante a aula. Não posso afirmar, mas me arrisco a dizer que
talvez a aula de Educação Física seja um dos únicos momentos em que aquelas
crianças exploram o lúdico. Por trás da expressão de alegria, se escondia uma
tristeza, uma necessidade de atenção, de ser ouvido e valorizado,
principalmente por parte das meninas. Questões de gênero marcaram as aulas,
onde a tendência era de uma marginalização do sexo feminino.
Senti uma incapacidade de tocar aqueles sujeitos, fazer da aula um espaço
de diálogo com a realidade deles. Foi como se tudo que tivesse lido não desse
conta das demandas que estavam impostas. Constantemente discutimos a barbárie,
como Auschwitz, maior barbárie da história da Humanidade. A barbárie não se
restringe a grandes acontecimentos históricos ela está presente no cotidiano
dos sujeitos, ela está presente em uma pequena escola de zonal rural. E se
Auschwitz foi um marco para a sociedade como algo que jamais poderemos aceitar
que se repita, a barbárie que ocorre nas vidas daquelas crianças não tem o
menor destaque, ela ocorre no silêncio dos sofrimentos dos sujeitos.
Diante disso a responsabilidade em ser professor é imensa, pois não
podemos fingir que está tudo bem e apenas aplicar as aulas sem dialogar com a
realidade dos sujeitos. Ao mesmo tempo há uma sensação de impotência, os
problemas evidenciados na Educação Rural e nas vidas daqueles estudantes são
extremamente complexos, e não podemos esperar soluções imediatistas. Acredito
que um bom caminho seria o de se estimular a reflexão desde as séries iniciais e
de acordo com a maturidade dos alunos pautarmos assuntos que são silenciados
por gerar mal-estar, como pedofilia, violência sexual, trabalho infantil entre
tantos outros. O caminho que apresentei fica apenas no plano das ideias, não
sei como ele se desenvolveria na prática, se seria o suficiente para formar os
sujeitos. Infelizmente não tenho uma solução para tais problemas, mas ao menos
estou ciente da existência desses problemas e espero que em minhas futuras
atuações como professor possa contribuir, mesmo que de forma mínima e limitada,
na formação e esclarecimento dos alunos.
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