Educação e educação física rural, desafios e possibilidades, um relato de experiência.
A
ciência surgiu para explicar os mitos que perturbavam a existência humana, veio substituir as crenças, a
religião, Deus e todo o resto que não seguisse a lógica ou pudesse ser
explicado material e matematicamente. Tornou-se referência, sinônimo de sabedoria,
de verdade absoluta e de poder. Mas, seria mesmo capaz a ciência de solucionar
todos os dilemas humanos ou ela se tornou mais um a ser questionado e
entendido? Vivemos hoje num mundo
contemporâneo, regido pelo modo de produção capitalista e o avanço científico e
tecnológico proporcionou os meios pelos quais esse sistema se legitima. A
produção industrial e em larga escala tem como um de seus pilares o ganho de tempo,
mas queremos tempo para quê? Quais as consequências deste processo? Quem está
ganhando e quem está perdendo? Estamos de tal modo arraigado neste contexto onde
a venda da força de trabalho é o único meio pelo qual nos sustentamos, que o tempo que supostamente ganhamos é gasto
nos preparando para sermos o melhor possível e os melhores no que fazemos, pois
se não for assim não estaremos adequados ao sistema e, portanto não serviremos.
Somos escravos sem correntes e sem chibata, não resistimos ao que nos é imposto
e nem conseguimos olhar para além do nosso próprio existir. E as pessoas que são
marginalizadas por este processo cruel e impiedoso?
Tais
questionamentos tem feito parte da nossa formação docente, o que significa ser
professor? Expresso aqui apenas opiniões e sentimentos, minha pretensão não é
de convencer você que se dispôs a ler este relato de uma postura correta ou
errada. Ser professor significa hoje pra mim estar disposto a compreender a vida,
a pluralidade dos sujeitos e seus contextos, as várias infâncias, adolescências
e juventudes. Ser professor deve ser mais do que adestrar, silenciar, endireitar.
Ser professor deve ser mais do que ensinar um conteúdo que muitas vezes é
organizado por pessoas que não fazem parte do universo escolar. Ser professor
significa estar em constante processo de aprendizagem, de estranhamento do
natural. Ser professor é mais que uma simples profissão é um sonho, um ideal e
um desafio. Várias são as formas de ser professor e de ser aluno, também devem
ser várias as formas de educação.
Frente
ao progresso e à barbárie produzidos pela civilização fomos convidados a conhecer
a realidade da educação rural, do camponês, população esta quase extinta pelo
avanço, pelos aglomerados populacionais que denominamos cidades. A forma
organização desta baseia-se no trabalho
e na produção em massa ao passo que no campo tudo passa por um processo manual
e demorado sendo apontado como perca de tempo. O processo do êxodo rural
ocorreu e ocorre na busca melhores condições de vida, como a moeda se tornou o
meio de troca, a permuta (troca de um material por outro) também não faz mais
sentido no campo e eles precisam se adequar a esta regra urbana, porém a realidade
enfrentada por aqueles que vão para a cidade nem sempre é boa e acabam por não
encontrar o que buscavam e nem conseguir os meios para retornar à sua terra,
tamanha é a dificuldade que enfrentem.
Aos
que permanecem no campo, aos poucos estão vendo sua cultura sendo dizimada pela
chegada faceira da tecnologia, são taxados como atrasados e seu modo de vida
com produção para subsistência não é valorizado, porém, ARROYO(1999) nos lembra
muito bem que o campo está vivo e há mais vida na terra do que no asfalto da
cidade. As formas de educação no campo não devem reproduzir os modos da cidade,
o povo do campo tem tanto direito a educação básica como os da zona urbana, mas
que seja uma educação que dê atenção a sua cultura e o seu modo de vida.
Pensar
a educação física no campo é um desafio ainda maior, pois historicamente esta
disciplina tem um caráter higienista e de domínio sobre o corpo para prepará-lo
pra o trabalho. A partir da década de 80 começa se pensar novos pressupostos
para nortear esse fazer pedagógico, mais ainda assim baseiam-se num conjunto de
práticas corporais voltados para o contexto urbano, então como apresentá-la no
meio rural, para corpos marcados pelo trabalho árduo, sol a sol, e crianças que
ao invés de tempo livre para viver sua infância assumem a responsabilidade de
adultos e cuidam da casa, dos irmãos e do trabalho?
Estivemos
por duas vezes na escola municipal rural do Itirapuã, um tempo
consideravelmente pequeno, mas que foi suficiente para nos proporcionar uma
experiência de vida, pois não foi simplesmente algo que passou, foi algo que
nos atravessou, marcou e agora faz parte de nossa subjetividade.
Como
exímios moradores da cidade, também tivemos preconceito e resistência em
relação ao contato com o campo, a distância e a dificuldade de deslocamento foram
os primeiros empecilho colocados. Quebrado o pré conceito pra então termos um
conceito, vimos que isso não é nada perto do que vivem as crianças que lá
frequentam. A falta de recursos da escola é eminente, mas grandes são os
esforços que buscam melhorias estruturais que acolha adequadamente os
estudantes, a educação física compõe a grade de todos os alunos, mas os
horários não são fixos, se adéquam as necessidades da escola.
Observamos
crianças extremamente dóceis e calmas, um estranhamento visto que estamos
acostumados à agitação e a desordem nas escolas da cidade, e ainda mais que
isso, percebeu-se crianças carentes que neste momento ainda não conseguimos
distinguir ao certo os porquês, apenas temos alguns indicativos e hipóteses. Em
uma das aulas que ministramos o professor nos relatou ao término que havíamos trabalhado
com cinco crianças especiais com autismo e déficit de aprendizagem, em
conversas não oficiais no interior da escola nos deparamos com relatos de
abusos, de jornadas exaustivas de trabalho infantil para ajudar na complementação
da renda familiar e então pensamos o que fazer diante dessa realidade que já é
difícil e ainda possui agravantes?
O trabalho
que é realizado com essas crianças é de extremo zelo e cuidado, a escola atende
cerca de 200 crianças residentes na comunidade rural e em um bairro da
periferia de Lavras chamado Pipoca, o professor de educação física nos disse o
seguinte: – O pouco que vocês fazem por menor que seja para essas crianças é
muito – Entendemos isso como um recado para a necessidade de se olhar com mais atenção
para a educação do campo que está sendo esquecida a margem da sociedade.
Finalizo
com o adendo de que a escola rural não é melhor que a escola da cidade, mas
também não é pior, ela tem uma população específica pra atender, e fazendo uso
novamente das palavras de ARROYO (1999 p.34)
ela tem os seus valores singulares que vão em direção contrária aos
valores burgueses, complemento, de progresso, de ciência e de tecnologia,
talvez por isso esteja tão desvalorizada.
Valeu Carine, fico contente que tenha aproveitado nossa caminhada.
ResponderExcluirAbs
Márcio