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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Educação e educação física rural, desafios e possibilidades, um relato de experiência.


A ciência surgiu para explicar os mitos que perturbavam a existência  humana, veio substituir as crenças, a religião, Deus e todo o resto que não seguisse a lógica ou pudesse ser explicado material e matematicamente. Tornou-se referência, sinônimo de sabedoria, de verdade absoluta e de poder. Mas, seria mesmo capaz a ciência de solucionar todos os dilemas humanos ou ela se tornou mais um a ser questionado e entendido? Vivemos hoje num  mundo contemporâneo, regido pelo modo de produção capitalista e o avanço científico e tecnológico proporcionou os meios pelos quais esse sistema se legitima. A produção industrial e em larga escala tem como um de seus pilares o ganho de tempo, mas queremos tempo para quê? Quais as consequências deste processo? Quem está ganhando e quem está perdendo? Estamos de tal modo arraigado neste contexto onde a venda da força de trabalho é o único meio pelo qual nos sustentamos,  que o tempo que supostamente ganhamos é gasto nos preparando para sermos o melhor possível e os melhores no que fazemos, pois se não for assim não estaremos adequados ao sistema e, portanto não serviremos. Somos escravos sem correntes e sem chibata, não resistimos ao que nos é imposto e nem conseguimos olhar para além do nosso próprio existir. E as pessoas que são marginalizadas por este processo cruel e impiedoso?
Tais questionamentos tem feito parte da nossa formação docente, o que significa ser professor? Expresso aqui apenas opiniões e sentimentos, minha pretensão não é de convencer você que se dispôs a ler este relato de uma postura correta ou errada. Ser professor significa hoje pra mim estar disposto a compreender a vida, a pluralidade dos sujeitos e seus contextos, as várias infâncias, adolescências e juventudes. Ser professor deve ser mais do que adestrar, silenciar, endireitar. Ser professor deve ser mais do que ensinar um conteúdo que muitas vezes é organizado por pessoas que não fazem parte do universo escolar. Ser professor significa estar em constante processo de aprendizagem, de estranhamento do natural. Ser professor é mais que uma simples profissão é um sonho, um ideal e um desafio. Várias são as formas de ser professor e de ser aluno, também devem ser várias as formas de educação.
Frente ao progresso e à barbárie produzidos pela civilização fomos convidados a conhecer a realidade da educação rural, do camponês, população esta quase extinta pelo avanço, pelos aglomerados populacionais que denominamos cidades. A forma organização  desta baseia-se no trabalho e na produção em massa ao passo que no campo tudo passa por um processo manual e demorado sendo apontado como perca de tempo. O processo do êxodo rural ocorreu e ocorre na busca melhores condições de vida, como a moeda se tornou o meio de troca, a permuta (troca de um material por outro) também não faz mais sentido no campo e eles precisam se adequar a esta regra urbana, porém a realidade enfrentada por aqueles que vão para a cidade nem sempre é boa e acabam por não encontrar o que buscavam e nem conseguir os meios para retornar à sua terra, tamanha é a dificuldade que enfrentem.
Aos que permanecem no campo, aos poucos estão vendo sua cultura sendo dizimada pela chegada faceira da tecnologia, são taxados como atrasados e seu modo de vida com produção para subsistência não é valorizado, porém, ARROYO(1999) nos lembra muito bem que o campo está vivo e há mais vida na terra do que no asfalto da cidade. As formas de educação no campo não devem reproduzir os modos da cidade, o povo do campo tem tanto direito a educação básica como os da zona urbana, mas que seja uma educação que dê atenção a sua cultura e o seu modo de vida.
Pensar a educação física no campo é um desafio ainda maior, pois historicamente esta disciplina tem um caráter higienista e de domínio sobre o corpo para prepará-lo pra o trabalho. A partir da década de 80 começa se pensar novos pressupostos para nortear esse fazer pedagógico, mais ainda assim baseiam-se num conjunto de práticas corporais voltados para o contexto urbano, então como apresentá-la no meio rural, para corpos marcados pelo trabalho árduo, sol a sol, e crianças que ao invés de tempo livre para viver sua infância assumem a responsabilidade de adultos e cuidam da casa, dos irmãos e do trabalho?
Estivemos por duas vezes na escola municipal rural do Itirapuã, um tempo consideravelmente pequeno, mas que foi suficiente para nos proporcionar uma experiência de vida, pois não foi simplesmente algo que passou, foi algo que nos atravessou, marcou e agora faz parte de nossa subjetividade.
Como exímios moradores da cidade, também tivemos preconceito e resistência em relação ao contato com o campo, a distância e a dificuldade de deslocamento foram os primeiros empecilho colocados. Quebrado o pré conceito pra então termos um conceito, vimos que isso não é nada perto do que vivem as crianças que lá frequentam. A falta de recursos da escola é eminente, mas grandes são os esforços que buscam melhorias estruturais que acolha adequadamente os estudantes, a educação física compõe a grade de todos os alunos, mas os horários não são fixos, se adéquam as necessidades da escola.
Observamos crianças extremamente dóceis e calmas, um estranhamento visto que estamos acostumados à agitação e a desordem nas escolas da cidade, e ainda mais que isso, percebeu-se crianças carentes que neste momento ainda não conseguimos distinguir ao certo os porquês, apenas temos alguns indicativos e hipóteses. Em uma das aulas que ministramos o professor nos relatou ao término que havíamos trabalhado com cinco crianças especiais com autismo e déficit de aprendizagem, em conversas não oficiais no interior da escola nos deparamos com relatos de abusos, de jornadas exaustivas de trabalho infantil para ajudar na complementação da renda familiar e então pensamos o que fazer diante dessa realidade que já é difícil e ainda possui agravantes?
O trabalho que é realizado com essas crianças é de extremo zelo e cuidado, a escola atende cerca de 200 crianças residentes na comunidade rural e em um bairro da periferia de Lavras chamado Pipoca, o professor de educação física nos disse o seguinte: – O pouco que vocês fazem por menor que seja para essas crianças é muito – Entendemos isso como um recado para a necessidade de se olhar com mais atenção para a educação do campo que está sendo esquecida a margem da sociedade.
Finalizo com o adendo de que a escola rural não é melhor que a escola da cidade, mas também não é pior, ela tem uma população específica pra atender, e fazendo uso novamente das palavras de ARROYO (1999 p.34)  ela tem os seus valores singulares que vão em direção contrária aos valores burgueses, complemento, de progresso, de ciência e de tecnologia, talvez por isso esteja tão desvalorizada.


Referência: ARROYO, Miguel Gonzalez. ; FERNANDES, Bernardo Mançano. A Educação Básica e o Movimento Social do Campo: por uma educação básica do campo. DF: Editora Universidade de Brasília, 1999. vol.2

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